Estado de Minas destaca participação da professora Carla Furtado em evento realizado no último fim de semana em BH, a convite da FIEMG, do SEBRAE e do IEL.
"...A atiradora de facas com
a língua afiada explica a regra do jogo
Ninguém contraria o chefe porque
ele cospe fogo
Mas aparece o ilusionista
anunciando a sexta-feira
E o palhaço que perdeu a alegria
procurando se encontrar
Leva no peito um sorriso
estampado no crachá
Debaixo dessa careca, eu sei que
existe uma peruca e aquela ideia maluca
De quem sabe um dia ser feliz
Debaixo da maquiagem, eu sei que
existe um palhaço
Que vai entender que o fracasso é
não assumir o seu nariz..." (A Maldição de Ser Feliz - REVERB
Poesia)
Ao som de REVERB Poesia, um palhaço vestido com um jaleco aparece. A
música "A Maldição de Ser Feliz" fala sobre uma rotina que ele
conhece bem: são as rimas de expediente do mundo corporativo. Do bolso, ele saca uma cédula gigante e diz
que ganha um dinheirão pelo serviço voluntário que faz. Chama de gratidão a
remuneração mais valiosa que alguém pode receber e apresenta um novo título
para explicar o traje. A plateia está diante de um "Besteirologista, de
Boston". É assim que Fernando Brancaccio Neto se apresenta quando está
vestido de Netôncio Bolotta.
Alguns
ainda se espantam e duvidam: seria mesmo o ex-vice-presidente de RH daquela
multinacional francesa? E o que afinal teria acontecido com o executivo workaholic para que trocasse a
mala de viagens pelo ukulelê? Fernando se demitiu depois de 25 anos
de uma carreira meteórica. O estagiário que virou gestor de quase seis mil
pessoas, conquistou o status de
um crachá que abria muitas portas no Brasil e no mundo, mas o trancava num
espaço apertado e solitário. Era dono de uma conta bancária aparentemente de
sucesso, mas tinha um saldo negativo do maior e mais arriscado investimento que
fez: a saúde, que se esvaiu no meio de tudo isso. Para sobreviver, tirou o
terno e colocou o nariz de palhaço. A graça do que ele faz está em mostrar que
o contrário de divertido não é sério, mas chato. E que a jornada profissional
pode ter seriedade com um sorriso no rosto. Nesse bate-papo, Fernando ou
Netôncio, como você preferir, mostra que, dentro das empresas, para não adoecer
pessoas é preciso ter muita competência. E que ser feliz no trabalho é uma
escolha que exige, sobretudo, extremo comprometimento.
Quando seu trabalho virou uma
palhaçada?
Quando perdi a graça na vida e
percebi que não encarava mais o que acontecia com o olhar do palhaço, de quem
tenta fazer o melhor mesmo sabendo que não será perfeito. Porque é aí que está
a graça de tudo. Errar, mas fazer. Se permitir, ser vulnerável. O palhaço ri de
si e ri com os outros, nunca dos outros. Eu me tornei mais um sério que tinha
virado um chato. Não sabia mais sorrir e não sabia mais fazer as pessoas
sorrirem.
Quem era você antes do Netôncio?
Sou
filho da Marli e do Antônio, irmão caçula da Ana Paula, marido da Lídia, pai da
Mariana e do Antônio, mas de repente eu era só o VP de RH. Cruzava os aeroportos
com uma mala preta de rodinhas. Cada vez que pegava nela ouvia minha filha
dizer: "você vai viajar de novo?". E eu dizia: "mas vou te
trazer uma surpresa muito legal". Eu tentava comprar minha ausência. Só
depois percebi que não existe essa compensação.
O que era ser bem-sucedido para
você?
Eu
nasci na periferia da zona leste de São Paulo. Dos três aos 18, morei numa rua
que inundava. Não esqueço a primeira vez que saí da cama e coloquei um dos pés
no chão e senti a água gelada, eu tinha três anos. Até hoje não durmo bem
quando chove. Desde muito cedo eu entendi como era duro ganhar e doloroso
perder. Minha mãe era uma dona de casa artesã. Meu pai, um ex-militar que
trabalhou muito. Passamos muita vontade, então vencer na vida, para mim, era
sair daquele contexto e, neste sentido, qualquer excesso parecia valer a pena
para conquistar alguma coisa, inclusive a dignidade.
Você planejou ocupar um cargo na
alta gestão?
Não. Comecei
o estágio aos 16. Um dia eu era estagiário, no outro engenheiro. Gostava de
conversar com os trabalhadores que vinham de longe para as grandes obras em São
Paulo. Eu sempre gostei mais de problemas humanos do que matemáticos. Meus
superiores perceberam isso e assim fiquei dez anos como gestor de recursos
humanos.
Tinha ideia da pressão que iria
enfrentar?
No
início não, mas fui descobrindo que a vida de executivo era solitária. E que a
solidão era a única coisa que eu compartilhava com a família. Eu sentia a pressão
de todos os lados.
Quanto gastou de saúde para
ganhar dinheiro?
Eu saí
do mundo corporativo doente e, pior, sem saber o que tinha. Primeiro foi o
diagnóstico de burnout, depois as complicações que a síndrome trouxe. A
obesidade foi uma delas. Além da fibromialgia e uma artrite psoriática, doenças
autoimunes que apareceram um ano depois do desligamento e que custarão
tratamentos para o resto da vida. Sinto dores por causa do enrijecimento das
articulações. Uma dor limitante.
Qual foi o ponto decisivo para a
demissão?
Quando
a empresa, com sede na Europa, anunciou que venderia as atividades na América
Latina ? e eu era responsável por essa área. Eu já tinha passado pelo processo
de fusão de duas multinacionais, então sabia o que aconteceria. E tinha que
manter o sigilo. Este foi o meu conflito ético mais penoso. Eu tinha que
motivar pessoas que talvez fossem desligadas, atrair novos talentos sem planos
de carreira. Fiquei um ano e três meses sofrendo. Foram crises de ansiedade que
eu precisava esconder para a equipe não perceber. Eu
tinha que ser forte, mas as pessoas diziam: "você está muito intolerante e
explosivo". Minha marca registrada era o bom humor e eu não me reconhecia
mais naquele papel. Foi o meu alarme.
O que nasceu depois que o
executivo se despediu?
Um
pai, um marido...outra pessoa. Tenho algumas datas importantes na vida: meu
nascimento, meu casamento, o nascimento dos meus filhos e o meu renascimento no
final de 2013. Nascia o propósito de levar alegria para o ambiente de trabalho.
Assim surgiu a sua empresa, a
FairJob?
A
FairJob é uma evolução de outras ideias que apareceram antes. Eu comecei a
empreender no riso com a FairFun pensando no conceito da diversão limpa, do
jogo limpo, depois criei a plataforma de humanização, ética e inovação
corporativa. O início de tudo foi a minha busca pelo sorriso perdido. Decidi
fazer um curso de palhaço. Eu queria entender o mecanismo do riso que não
conseguia mais dar, nem provocar. Até que recebi um convite para conhecer um
trabalho voluntário e, por coincidência, reencontrei palhaços que nos levaram
acalento numa UTI quando minha filha teve uma complicação logo que nasceu.
Senti que era o momento de expressar essa gratidão. O Netôncio Bolotta nasceu
para agradecer as chances que a vida nos dá de sorrir de novo. Aprendi muito
com ele, teria errado menos como executivo se o Netôncio tivesse me ensinado a
tempo sobre tolerância e empatia.
Quando esse palhaço entrou também
nas salas corporativas?
O
palhaço representa meu resgate da alegria, do contato com a humanidade do
outro. Percebi que para ser o palhaço genuíno ? e não aquele bobo que as vezes
nos fazem ? é preciso entender tanto de respeito... saber, por exemplo, quando
falar e quando calar. Criar conexão, ler o outro, se importar. Aí me dei conta
de que faltava muito disso nos ambientes corporativos. Criei a audito-ria, uma brincadeira com
questionário sobre quantas vezes as pessoas riam por dia, se preferiam o
horário de entrar ou de sair. A brincadeira ficou séria e minha experiência com
números me mostrava que era possível mensurar o bem-estar e descobrir
indicadores do quanto as pessoas estavam infelizes no trabalho.
O que esse palhaço tem de mais
sério?
Ele
mostra que o verdadeiro engajamento não leva à exaustão e nem coloca suas
relações mais importantes em risco, menos ainda a sua saúde. Decidi estudar
neurociência justamente por isso, para entender a biologia do riso, como agem
os neurotransmissores da felicidade, como adormecer a dor e deflagar os efeitos
da alegria. Essa é a mensagem de seriedade. Minha tese é sobre o riso como
combate ao estresse crônico no ambiente corporativo, ou seja, tudo para me
curar de mim mesmo.
Você se promoveu?
Sim!
Eu fui abençoado. Fazer alguém rir na fragilidade é impagável. Isso vale para
uma criança que está no leito de um hospital ou um colaborador doente na
cadeira de um auditório. É uma grata felicidade estar num lugar de dor e levar
alívio. Despertar as pessoas que competência não tem nada a ver com cara feia.
O justo é leve. Quando os graves efeitos de uma política austera geram
adoecimento é desumano. A ideia é que cada um seja dono do seu próprio nariz.