Estado de Minas destaca participação da professora Carla Furtado em evento realizado no último fim de semana em BH, a convite da FIEMG, do SEBRAE e do IEL.
Muitas empresas limitam-se
a perguntar o quanto custa investir na felicidade dos colaboradores. Eu prefiro
perguntar: quanto custará não o fazer? Nos Estados Unidos, o prejuízo
decorrente apenas do estresse relacionado à atividade laboral atinge a casa dos
US$ 300 bilhões por ano. Segundo Jeffrey Pfeffer, professor da Universidade de
Stanford, prejuízos dessa natureza estão presentes na maior parte das nações,
embora não sejam devidamente contabilizados.
Entre os desafios
corporativos, destaca-se à evolução exponencial dos transtornos mentais e
comportamentais. A depressão, sozinha, atinge cerca de 300 milhões de pessoas
no mundo e já é a doença mais incapacitante para a vida laboral. Nos
departamentos de Recursos Humanos a pergunta frequente é: "O que fazer com tantos
afastamentos por CID F?". Existe caminho já apontado por diferentes
ciências combinas, como a psicologia positiva, as neurociências e a economia. E
este caminho se chama gestão estratégica da felicidade no trabalho.
À frente da empreitada está o
Chief Happiness Officer (CHO) ou gestor executivo da felicidade,
responsável por catalisar as iniciativas de felicidade na organização.
Exercendo exclusivamente a função de maneira transversal ou conciliando-a com
outra, em geral na área de gestão de pessoas ou como consultor externo, o CHO
atua em âmbito estratégico, apoiando a disseminação do propósito corporativo, o
desenvolvimento de uma cultura organizacional saudável e a sedimentação de um
modelo de liderança positiva.
Esses três pilares ?
propósito, cultura e liderança ? são fatores que antecedem o estabelecimento de
um programa de intervenções. Visam garantir a coerência entre discurso e
prática, cuja ausência é o principal fator de fracasso para as iniciativas
dessa natureza. Empresas que reconhecem que o bem-estar dos colaboradores é um
de seus principais ativos, devem trabalhar para que isso se materialize não só
em ações pontuais, mas nos valores experienciados por todos no dia-a-dia e no
estilo e comportamentos dos gestores.
Outra atividade afeita ao CHO
é a chamada employee experience (EX), em português experiência do
colaborador. Trata-se do desenho cuidadoso do ciclo de vida do trabalhador
dentro da organização, desde o momento em que passa pelo recrutamento e pelo
processo seletivo até o momento em que se desliga voluntariamente ou não. De
nada adianta um discurso de valorização da felicidade quando se deixa um
candidato horas à espera de uma entrevista sem qualquer justificativa. O EX
propõe a especificação de cada jornada do trabalhador dentro da organização, com
vistas a eliminar atritos e criar relacionamento e isso deve ser feito com a
contribuição dos próprios colaboradores. Afinal, todo mundo tem uma história
para contar sobre o quanto foi difícil obter uma senha para acessar o sistema na
primeira semana de trabalho ou sobre o quão difícil foi negociar uma folga
tendo banco de horas suficiente para isso.
Uma vez construídos os
alicerces, cabe ao CHO promover a realização do diagnóstico da felicidade na
corporação, composto a partir da aplicação de escalas validadas cientificamente
e, também, do levantamento de KPIs, ou seja, indicadores estratégicos que serão
monitorados para verificação do impacto sistêmico. Isso porque à medida que a
felicidade de quem trabalha apresenta melhora, pesquisas evidenciam a
ocorrência de incrementos nos indicadores de pessoas (ex.: absenteísmo, turn
over, clima organizacional, engajamento etc.), de mercado (ex.: NPS) e
financeiros (ex.: rentabilidade). Dessa forma, o retorno sobre o investimento
(ROI) da felicidade é o aprimoramento de um ecossistema chamado empresa.
É com base no diagnóstico
preciso, quase cirúrgico, que se estabelece o plano de ação. Esta é a ponta do
iceberg do trabalho de um CHO: são as iniciativas que envolvem todos os
colaboradores, tanto na criação de sinergia para a realização do propósito,
quanto na promoção de um ambiente que seja caracterizado por mais emoções
positivas que negativas. São as atividades de educação para a felicidade, promoção
de qualidade de vida, integração trabalho-vida pessoal, team bulding,
celebrações, entre tantas outras.
Um Chief Happiness Officer é,
acima de tudo, um estrategista preparado para atuar em prol da centricidade
humana ? o único caminho viável para o alcance de benefícios sistêmicos,
benefícios que impactem quem trabalha, quem emprega e a sociedade. O CHO não é
a nova profissão da moda, é a resposta a uma urgência do nosso tempo: a
conciliação entre trabalho e felicidade.
Melhor mesmo seria que não precisássemos
certificar gestores estratégicos de felicidade. Mas, já que é necessário, que o
façamos de maneira responsável quanto à qualidade da formação e, principalmente,
quanto à motivação para que este cargo se estabeleça. Tenhamos todos máxima
precaução quanto à neoliberalização da felicidade, com sua conversão em
mercadoria a serviço da economia. Felicidade no trabalho não é sobre
produtividade, é sobre sustentabilidade.
*Carla Furtado é fundadora do
Instituto Feliciência, professora e pesquisadora científica em Psicologia.