Estado de Minas destaca participação da professora Carla Furtado em evento realizado no último fim de semana em BH, a convite da FIEMG, do SEBRAE e do IEL.
O
Dia Internacional da Mulher não é uma data festiva, é uma data reflexiva. É um
holofote lançado sobre os diferentes desafios vividos pelas mulheres em todo o
planeta. Se a conquista de direitos ao longo das décadas é inegável, a queda no
bem-estar feminino também é: a felicidade das mulheres tem declinado de maneira
absoluta e relativa quando comparada aos homens. Esse fenômeno foi batizado de
paradoxo da felicidade feminina.
Com
a COVID-19, a vulnerabilidade tornou-se ainda mais evidente. Inúmeros estudos
conduzidos ao redor do mundo evidenciaram os riscos ampliados em mulheres para
transtornos mentais e comportamentais. Pesquisa capitaneada pela organização
CARE mostrou que elas têm quase três vezes mais probabilidade de relatar
ansiedade, perda de apetite, incapacidade de dormir e dificuldade em concluir
as tarefas diárias. Para chegar a esse resultado, foram ouvidas mais de 10 mil
pessoas em 38 países, incluindo os da América Latina.
As causas são evidentes. Dos milhões
de demissões observados nos primeiros meses de pandemia, as mulheres formaram o
maior grupo, tanto em países desenvolvidos quanto nas nações em
desenvolvimento. Some-se a isso a inequidade na divisão do trabalho doméstico.
Ainda segundo o estudo da CARE, nos EUA 55% das mulheres fazem trabalhos
relativos aos cuidados com a casa contra apenas 18% dos homens. No acompanhamento da escola remota, quase
toda a carga da atenção às crianças é das mulheres. Além disso, na linha de
frente da assistência aos pacientes elas são a maioria, estando sob maior risco
e experimentando estigmatização.
Com o anúncio de uma nova onda - com
cepas mais transmissíveis e lockdowns por todo o País - e o conhecimento que já
se possui após um ano de enfrentamento da pandemia, é emergencial que se escreva
um capítulo protetivo para a saúde mental das mulheres. E que se beba no que a
ciência já sabe sobre resiliência para fazê-lo.
Compreendida
como uma habilidade, a resiliência pode e deve ser adquirida e desenvolvida, sendo
compreendida como a capacidade de navegar em busca de recursos para
enfrentamento das adversidades. Dos fatores pessoais, destacam-se a
autoconsciência e a autorregulação. A primeira requer que se aprenda a
reconhecer emoções, pensamentos e fisiologia e a segunda está relacionada à capacidade
de acalmar essas mesmas emoções, pensamentos e fisiologia. Práticas
contemplativas, como meditação e mindfulness, têm se mostrado eficazes nesse
sentido, sendo oferecidas em diferentes plataformas gratuitas.
Ainda
no âmbito individual, o fortalecimento mental promove ganhos de resiliência.
Esse é o caso do desenvolvimento de perspectiva positiva. De maneira breve, um
dos exercícios consiste em olhar para aquilo que constitui uma adversidade e
usando da escrita reflexiva responder: qual é o pior desfecho para essa
situação, qual é o desfecho ideal e qual é o mais realístico. Nunca é demais
lembrar que a maioria das tragédias existiram apenas no âmbito mental.
Conhecer
as próprias forças e dispô-las ao alcance dos olhos pode colaborar na travessia
de turbulências. Dos diferentes assessments disponíveis, destaca-se o Teste de
Virtudes e Forças de Caráter do Instituto Via, realizado por mais de 13 milhões
de pessoas ao redor do planeta. Gratuito, científico e disponível em português
(viacharacter.org) identifica as chamadas forças de assinatura, aspectos
positivos da personalidade. O uso deliberado das forças de caráter pode apoiar
o enfrentamento de desafios.
Os
recursos pessoais citados até aqui são eficazes, mas não respondem por toda a resiliência
que se necessita. Além de navegar para dentro de si, as mulheres precisam navegar
para fora e encontrar uma rede de apoio social e afetivo capaz de sustentá-las.
É na conexão humana de qualidade e nos ambientes positivos (família,
comunidade, trabalho) que se obtêm a força
para aquele quilômetro a mais da corrida.
Nunca
é demais lembrar que a pandemia não rompeu os sistemas estabelecidos, apenas
evidenciou as rachaduras existentes. E se rachaduras, como escreveu Leonard
Cohen, são espaços por onde a luz pode entrar, façamos da nova onda da pandemia
uma janela por onde entre, em definitivo a compreensão de que a saúde mental da
mulher é uma construção coletiva e social.
*Carla Furtado é pesquisadora científica e professora na área de psicologia e fundadora do Instituto Feliciência, com atuação no Brasil e em Portugal