Estado de Minas destaca participação da professora Carla Furtado em evento realizado no último fim de semana em BH, a convite da FIEMG, do SEBRAE e do IEL.
A pergunta que mais ouço é 'Como ser feliz
em um mundo tão complexo?'. Sorte a minha que Aristóteles a respondeu há
cerca de 2.300 anos e bebo no pensamento do filósofo para sustentar a resposta:
podemos ser felizes a partir de nossas virtudes e da excelência - do grego,
língua nativa de minha mãe, daemon e areté. A essa abordagem foi
dado o nome de eudaimonia.
Nunca foi tão relevante refletir sobre o
pensamento aristotélico, no qual não se vislumbra a felicidade a partir de uma
postura meramente autocentrada. A virtude, para o filósofo, versava sobre o que
há divino em cada um de nós e de que forma esse divino reverbera para além de
nós mesmos. Hoje, na psicologia, falamos sobre forças de caráter, aquilo que se
manifesta em nós de maneira natural, que nos constitui, e causa impacto
positivo em nosso meio. A felicidade não é mesmo autocentrada, o nome disso é
egoísmo.
As neurociências já evidenciaram que o filósofo
helênico estava certo: somos mais felizes quando somos legitimamente pró-sociais.
Entre as habilidades para a felicidade, a generosidade desponta no topo do
ranking, ou seja, somos beneficiados quando somos bondosos, empáticos,
compassivos, altruístas. Mas, que ninguém tente fazê-lo para obter benefícios:
pode-se enganar os outros, contudo é impossível trapacear com o próprio sistema
nervoso, ele reconhece quando se é gentil esperando algo em troca. A felicidade
não se constrói com barganhas.
Sobre a excelência, também mencionada nos
escritos de Aristóteles, nunca foi sobre perfeição. Sempre foi sobre fazer o
melhor que se poder fazer com as condições que se tem. Buscar perfeição em meio
a maior crise sanitária do nosso tempo é um caminho para frustração e
infelicidade. Não custa lembrar: vida não é um concurso nem de sucesso, nem de
afluência material, nem de beleza e nem de juventude. Não há pódio para a
felicidade.
Contudo, mantendo a coerência com o que o
filósofo ensinava em seu Liceu de Atenas, esteja atento ao fato de que a
felicidade não é para os inertes, é para os ativos. Dá mesmo trabalho conferir
sentido à vida e vivê-la, dia após dia, a partir das próprias virtudes e não
dos vícios. E fazê-lo de maneira equilibrada, pois mesmo as virtudes em excesso
se tornam malefícios. Mas, esse é o trabalho que compensa os esforços. Afinal,
que ninguém acredite que uma vida esvaziada de sentido é uma experiência fácil.
Desejo que em 2022 você se aproxime da felicidade ordinária, em vez de
buscá-la no extraordinário. E que, ao olhar para 2021, com todos os seus desafios,
o pensamento de outro filósofo, Santo Agostinho, lhe invada: "Felicidade é
seguir desejando aquilo que já se possui". Este ano, experimente trocar a lista
de desejos pela lista de agradecimentos.
Carla
Furtado é pesquisadora científica, professora na área de psicologia e fundadora
do Instituto Feliciência.
Acesse aqui o artigo publicado no Estadão