Estado de Minas destaca participação da professora Carla Furtado em evento realizado no último fim de semana em BH, a convite da FIEMG, do SEBRAE e do IEL.
Ele ganhou notoriedade dentro e fora da
comunidade científica por uma pesquisa publicada em 2010 na qual relacionou
divagação mental e infelicidade. Agora, Matt Killingsworth volta às manchetes
com um estudo sobre dinheiro e felicidade. O cientista americano publicou em
2021 um paper que confronta pesquisas anteriores que afirmavam que para
os habitantes dos Estados Unidos a felicidade crescia com a elevação da renda
até se atingir o patamar anual de US$ 75 mil dólares. A partir desse valor, o
dinheiro já não exercia mais influência sobre o bem-estar.
No artigo científico "Experienced well-being rises with income, even above
$75,000 per year" - em tradução livre "O bem-estar subjetivo
aumenta com a renda, mesmo acima de US$ 75.000 por ano", Killingsworth afirma
que não encontrou evidências de que haja um limite de renda no qual se atinja
um platô para a felicidade. Ou seja: em seu recorte de pesquisa ? adultos
americanos empregados ? seguir ganhando mais dinheiro mostrou-se capaz de
melhorar o bem-estar e a satisfação com a vida.
Mas, antes que você acredite que sua felicidade
mora em uma conta bancária robusta, é preciso compreender melhor os resultados
da pesquisa. O próprio autor destaca que o dinheiro é um dos antecedentes da
felicidade, mas não está entre os mais relevantes - cabe informar aqui que as
relações sim. Seus estudos também mostraram que pessoas para quem dinheiro é
sinônimo de sucesso são menos felizes. Além disso, Killingsworth identificou que
quem ganha mais trabalha mais e, por consequência, se sente mais pressionado. A
equação não é tão simples como se deseja, afinal um trabalhador não ?ganha?
dinheiro, ele produz para obtê-lo e paga por isso com seu tempo de vida.
Embora seja um pesquisador quantitativo, Killingsworth
hipotetiza que pessoas com maior afluência financeira tem a felicidade
impactada positivamente devido ao maior controle que têm sobre suas vidas. A
isso dá-se o nome de autonomia. Contudo, autonomia é exatamente o que uma
pessoa perde ao se tornar escrava do dinheiro.
A pesquisa foi aprovada por pares e publicada
no PNAS, periódico da Academia Nacional de Ciências dos Estados
Unidos. Apresenta consistência para isso, contudo não propõe que se analise a
complexa relação dinheiro-felicidade a partir apenas de seus achados. É preciso
uma revisão sistemática da produção sobre o tema, trazendo por exemplo o
Paradoxo de Easterlin - conjunto de estudos que mostra que enquanto o PIB dos
EUA cresceu ano após ano a partir da década de 1950, a felicidade declinou.
Uma vida digna é condição essencial para que
uma pessoa possa atuar em prol da sua felicidade. A afluência financeira pode
corroborar, tanto que PIB per capita é uma das variantes consideradas pela ONU
no Relatório Mundial da Felicidade. Já tomar o resultado do estudo de Killingsworth
como verdade absoluta vai contra o que o próprio cientista discute em seu
artigo. Diante de tantos desafios humanos e sociais - como pandemia, fome,
desemprego e o impacto de fenômenos ambientais sobre comunidades inteiras - tudo
que não se precisa é fazer uso de achados científicos descontextualizados para
sustentar uma ideologia de que quanto mais dinheiro se tem maior a felicidade. A
pergunta que permanece é: quem ganha com isso?
Carla Furtado é membro do
laboratório de pesquisa Trabalho e Mobilização Subjetiva (Universidade Católica
de Brasília), docente da PUC-RS e fundadora do Instituto Feliciência.